As mentiras e as verdades de Azagaia

Certo dia o Joe disse-me “nunca mas escreveste sobre a Cotonete”, e respondi-lhe estou a pensar em entrevistar o Azagaia, “do que esperas pah?…” perguntou-me o amigo responsável pela Cotonete Records. cheguei a casa e resolvi ouvir o disco Babalaze do Azagaia, e admirado com tanto talento e tudo de bom que ouvi no cd, as 00:00 de Domingo, resolvi enviar ao Azagaia esta sms: Mano Azagaia estou a preparar uma entrevista pra ti, mas preciso alguns dados… podes me “e-mailar” ou marcamos um encontro na net? E assim combinamos para as 22 horas. Fui lançando já umas bocas sobre a entrevista na net e na rádio Luanda (big show cidade) enquanto esperava pela hora combinada e as 22h03 minutos, uma sms deixou-me preocupado: “Tó um pouco atrasado mas já to p chegar a casa” era o Azagaia comunicando o atraso. E quando eram 22h51 finalmente começamos a entrevista que resultou no trabalho abaixo:
Azagaia é o pseudónimo artístico do rapper moçambicano Edson da Luz, um jovem universitário, que ganhou popularidade internacional com a polémica em torno da música de sua autoria “as mentiras da verdade”, onde em sua analise faz uma denúncia sobre as mentiras tidas como verdade no seu pais.
O álbum saiu e tem como título Babalaze, lembrando assim o poeta José Craveirinha na obra “Babalaze das Hienas”. Um disco bom de se ouvir e que nos convida a fazer uma reflexão sobre tudo o que nós temos aprendido cá em África, vários dúvidas acabam ficando no ar e acabamo-nos perguntando será verdade tudo em relação a nossa história? Essas e muitas outras perguntas poderás fazer depois de ler a entrevista e ouvir o disco Babalaze.

Texto e fotos: Dino Cross

DINO CROSS – Como foi que começou a cantar? E porquê o nome Azagaia?
Azagaia:
Comecei a cantar por influência de amigos, na brincadeira, estava na oitava classe acho e tinha um pequeno grupo chamado RapKids (hehe), era só rimar, mas eu já lia poesia de José Craveirinha e escrevia os meus poemas também..
bem depois de alguns anos na brincadeira, quando cheguei ao ensino pré-universitário, conheci um amigo que veria a tornar-se no Escudo do nosso grupo Dinastia Bantu, aí é que as coisas tornaram-se mais sérias em 1999 Quanto ao nome… Azagaia Surge porque nós (meu grupo) queriamos uma identidade mais africana do nosso rap, inspirávamo-nos nos Wu Tang Clan naquela altura e queriamos fazer uma Clan mas não inspirada na cultura chinesa como a Wu, mas sim na África nossa terra aí surge a Dinastia (tipo a clan hehe) Bantu, azagaia sendo um instrumento de guerra dos povos bantu, achei que tinha tudo a ver comigo pois espelhava a minha postura combativa no hip hop, e o Escudo vinha completar na defesa, uma dupla perfeita.

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DC: Sobre as verdades, que verdades o seu povo desconhece?
Azagaia:
A começar pela nossa história, ela foi escritas pelos vencedores, os que sobreviveram, os protagonistas da propria história é que a escreveram, daí muita coisa foi manipulada a favor destes.
A seguir, temos o nosso dia a dia que é marcado por uma governação não transparente, onde muitos governantes enriquecem no poder de forma não clara acompanhada de vários escandalos e suspeitas fortes de corrupção, depois, as grandes decisões muitas vezes do nosso governo relacionadas conosco povo, são tomadas sem nos consultarem, daí a revolta

DC: Sobre as mentiras, que mentiras te referes?
AZAGAIA:
As mentiras são as aparências, o falso desejo dos muito ricos querem combater a pobreza no seio dos tão pobres, pobreza que eles não sentem portanto desconhecem, mentiras são os acordos que parecem benificiar o povo mas que na realidade beneficiam uma minoria, mentira é essa ilusão de sucesso dos africanos que consiste em pensarmos que desenvolvermos é termos um carro de luxo, joias e mulheres mesmo que estejamos a vender o nosso país e continuamos na realidade pobres.

DC: A tua frontalidade ao cantar é fruto de um exercício efectivo de democracia? Até que ponto respeita-se a liberdade de expressão em Moçambique?
AZAGAIA:
é efectivamente democrático que todos tenham direito a palavra. A frontalidade é do que precisamos, atacar os problemas de frente, sem subterfúgios a liberdade de expressão em Moçambique só existe até começar a por em causa os interesses do poder, o grupo de mais ou menos 15 pessoas que governa os restantes 20 milhões, prova disso é a morte do jornalista Carlos Cardoso e o bancário Siba Siba, e o facto de estarem a proibir a passagem da minha música “Povo no Poder” na Rádio Moçambique como já tinham feito com as “Mentiras da Verdade”

DC: Já teve medo de alguma situação resultado da repercussão da sua música?
AZAGAIA: Não
DC:
E ameaças já teve?
AZAGAIA: Algumas mensagens cobardes deixadas no blog da cotonete, o que recebo mais são sugestões para fazer músicas mais leves

DC: Que Moçambique sonhas para os moçambicanos?
AZAGAIA:
Um Moçambique onde os moçambicanos não sintam medo nem receio de contribuirem com as suas opinões sob pena de perderem seus empregos ou regalias ou mesmo a sua vida ou dos seus, onde os moçambicanos possam contestar uma situação que lhes prejudique sem correrem o risco de serem violentados pela policia, um moçambique onde a justiça funcione para todos e não haja “intocáveis” à cima da lei contra os quais não vale a pena fazer nenhuma acusão pois nunca serão condenados, um moçambique onde os moçambicanos conheçam a sua verdadeira história um moçambique onde as crianças tenham cada vez mais oportunidades de educação, uma educação que lhes permita ter espaço de criar e escolherem as suas verdadeiras vocações um moçambique onde os jovens não tenham, que se aliar a nenhum partido político para conseguir um emprego ou posição confortável na sociedade um Moçambique com uma governção transparente e verdadeiramente democrática.

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DC: Que argumentos justifica-se a proibição da música “povo no poder” na rádio Moçambique?
AZAGAIA:
Esta proibição parece não ter argumentos claros, pelo facto de ela não ser oficial, é uma ordem interna a ser cumprida e não questionada, dizem que a música insulta o presidente da república (hehe), os trabalhadores dizem que não querem problemas, receberam ordens superiores para não tocá-la (*)

DC: Babalaze quer dizer ressaca, o que o motivou a dar este título ao teu álbum?
AZAGAIA:
A gravação deste álbum aconteceu num momento de reflexão na minha vida sobre tudo que já tinha vivido até esse ponto, era um momento de ressaca sim e queria partilhar isso com as pessoas que de certeza partilham das mesmas opiniões e chamar os que não concordam comigo à reflexão também.

DC: Fala-me da experiência que foi a participação do Valete no teu álbum?
AZAGAIA:
Foi fenomenal, é sempre um prazer para um artista partilhar ideias com outro que admira, em termos de liricismo a música “Alternativos” levou o cd para outro nível, esta música é um exemplo de união de irmãos de África, e o tema não poderia ser melhor, uma afirmação de nós mesmos, enfim um exemplo a seguir nos PALOPS acredito.

DC: Em relação ao sucesso do teu álbum em Moçambique, estas satisfeito?
AZAGAIA:
Tou sim, é mais do que esperava confesso, ele foi feito num estúdio de qualidade básica, e está a ser ouvido em todo país, o que chateia é o facto de não conseguirmos fazer cds para todos.

DC: Sobre a Cotonete Records como é trabalhar nesta label?
AZAGAIA:
É uma segunda família para mim, ela me acolheu e acreditou em mim e sempre deu-me a liberdade de fazer a música que eu gosto, há muito dinamismo e liberdade de ideias, enfim é fixe

DC: Esta conversa de que o hip hop moçambicano morreu para o pandza(**) o que tens a dizer?
AZAGAIA:
Nada disso. O hip hop sempre teve vivo, o problema é que alguns nomes sonantes do nosso hip hop passaram a fazer pandza por escolha própria e isso criou esse boato, e sendo o pandza uma música mais comercializável tem naturalmente mais espaço, bem os manos do hip hop tiveram uma lição de agressividade no markting também bem acho que há espaço para todos e à cima de tudo o espaço conquista-se, não é dado de bandeja, e isso o pessoal do hip hop esta aprender para poder competir e se afirmar cada vez mais.

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DC: Em relação aos mc’s que mudaram para o pandza?
AZAGAIA
: Epa é escolha própria, não os condeno, mas acredito que é sempre melhor quando as pessoas revelam-se e seguem o seu caminho, bom há alguns que talvez nem sabem ao certo o que querem mas o tempo dirá, acho que o pessoal do hip hop não deve dar muita importância a eles e seguir em frente, há muita estrada por caminhar

DC: Tens uma ideia de como estas popular fora de Moçambique?
AZAGAIA:
Uma vaga ideia, algumas pessoas dizem que a minha musica é muito escutada nalguns países da europa, tipo ai em Angola e mais, bem são relatos e eu não sei até que ponto são verdadeiros, mas acredito que há quem curte, não há fumaça sem fogo (hehe).

DC: Que ambições tens para Angola?
AZAGAIA:
Gostaria muito de fazer um show aí, sinto que temos realidades semelhantes e temos muito que partilhar, definitivamente quero conhecer Angola e os rappers daí. E quero que o meu cd seja vendido aí.

DC: Que opinião tens sobre o hip hop angolano? e que mensagem deixas para o povo de Angola e de Moçambique?
AZAGAIA:
Começar por dizer que a música angolana tem muita qualidade, e sobre o hip hop não sei muito, mas o que chega aqui é o mais comercial tipo para se curtir nas festas e tal, algum hip hop mais de consciencialização também chega mas muito pouco, acho que só conheço o MC K. Mas acredito que há muitos outros que talvez não tenham tanto espaço. E as meninas aqui curtem maningue o balanço da música dos Kalibrados e Army Squad (hehe) para Angola e Moçambique acho que deviam fortalecer os laços de irmandade, precisa haver mais intercâmbio de culturas e estratégias de governação, os artistas precisam encontrar-se mais e discutirem ideias, somos povos irmãos e vivemos os mesmos dilemas e partilhamos da mesma herança histórica, a luta pela liberdade, a luta contra a falsa democracia e falta de transparência penso que é igual sem colocar em causa a soberania de cada povo, devemos nos unir e lutar por uma África melhor.

(*)http://aminhavozz.blogspot.com/2008/02/cano-que-no-pode-ser-tocada-na-rdio.html
(**) Pandza é um novo estilo musical em Moçambique, bastante animado como é o Kuduro, e dança-se assemelhando o ragga.